Tip of the tongue ?

Quantas vezes nos deparamos com a necessidade de falar determinada palavra que não “lembramos” e temos aquela sensação de que ela está na ponta da língua? Algumas vezes, sabemos até os fonemas iniciais ou as primeiras letras; geralmente, nos vêm à mente outras palavras (que às vezes chegamos a produzir em voz alta) e até mesmo sensações vagas, mas certamente relacionadas de alguma forma à palavra desejada. Recorremos à lembrança de rostos, situações, estórias, na tentativa de trazê-la à tona. Temos a percepção de saber a palavra, de “saber que se sabe”, mas não conseguimos evocá-la no momento adequado. Apesar de parecer algo muito intuitivo, este fenômeno tem sido alvo de pesquisas no campo da neuropsicologia e da neurolinguística, pois sua descrição e análise podem ajudar a compreender aspectos relevantes do funcionamento semântico-lexical.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A. R. Luria




A.R. Luria foi um grande estudioso da memória, entre outros diversos assuntos. Oliver Sacks diz ele foi o maior e mais fecundo neuropsicólogo de seu tempo, tendo elevado esta ciência a patamares inimagináveis. Para Sacks, o que distinguiu sua abordagem foi a perspectiva de que até mesmo os processos mais elementares do organismo humana não possuem natureza exclusivamente biológica.  De acordo com tal perspectiva, compartilhada com um seu mestre Lev Vygotsky (que Luria considerava um gênio), o estudo da memória não pode prescindir da história social e da cultura.
Luria nasceu em Kazan, uma cidade a 600 milhas a leste de Moscou, em 1902. Tinha 15 anos quando irrompeu a revolução. Segundo ele (1992), antes deste período as classes eram rigidamente divididas, até que com a revolução de 1917, ao derrubar as barreiras entre as classes, surgem novas perspectivas e oportunidades possíveis dentro de um grandioso movimento histórico. Em 1924 conhece Vygotsky. Juntamente com Leontiev, eles formam aquele grupo que seria chamado de Troika. Com Vygotsky, Luria se viu com um grande aliado que compartilhava dos mesmo interesses, que identificava a crise pela qual a psicologia se encontrava na época, e que era o principal teórico marxista  reconhecido:

Não é exagero dizer que Vygotsky era um gênio. Em mais de cinco décadas de trabalho em meio científico, nunca mais encontrei qualquer pessoa cujas qualidades se aproximassem das de Vygotsky: sua clareza mental, sua habilidade na identificação da estrutura essencial de problemas complexos, a extensão de seu conhecimento em diversos campos, e a capacidade que tinha de antever o desenvolvimento futuro de sua ciência(LURIA, 1992:43). 

Sua análise sobre a memória não se restringe aos estudos laboratoriais, mas os incluem. De forma ampla, conjugava estes conhecimentos com os campos das emoções, das percepções, da linguagem, entre outros. Seus estudos foram além das formas elementares da memória. No livro clássico sobre a mente do mnemonista, a descrição da personalidade do sujeito é considerada característica fundamental para a compreensão da memória e da sua impossibilidade de esquecer. O mesmo pode-se dizer sobre o Sr.  Zatesky, o homem que teve o mundo estilhaçado por um projetil na guerra, que recompõe sua vida a partir do esforço em registrar suas experiências memórias.
Sobre o nosso fenômeno preferido, das palavras na ponta da língua, Luria fez questão de afirmar o quanto ele nos revela aspectos organizacionais dos campos semânticos. Segundo o autor (1987, pág.35), os TOTs dão visibilidade ao que ocorre quando “buscamos” uma palavra, numa situação real de produção e nos permite inferir sobre a organização dos campos semânticos:

A presença deste “campo semântico”, dentre o qual o sujeito deve escolher cada vez, manifesta-se com toda evidência nos fenômenos, amplamente conhecidos na literatura psicológica, de dificuldade de encontrar palavras, estados nos quais a palavra procurada encontra-se como se estivesse “na ponta da língua”. 

Abraços ! Os livros citados foram "Pensamento e Linguagem: As últimas conferências de Luria" e a também a autobiografia de Luria, chamada "A construção da mente".